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QR Code na roça? O desafio de adaptar o jurídico à realidade do cliente
Dona Tereza, 61 anos, produtora de leite em uma pequena propriedade no interior do Rio Grande do Sul, acordou cedo naquela segunda-feira. Depois de anos de trabalho pesado, já sentia no corpo as dores que não a deixavam mais acompanhar o ritmo da lida. Uma vizinha comentou que talvez ela tivesse direito a um benefício do INSS, e a orientou a procurar um escritório de advocacia especializado em previdência rural.
Chegando ao escritório, Dona Tereza reparou que tudo era moderno, cheio de placas, cartazes bem diagramados e até um QR Code na recepção para “agilizar o atendimento”.
Ela olhou para o cartaz, depois para a secretária e perguntou:
– “Minha filha, o que que é esse quadradinho aqui na parede? Eu tenho que usar isso pra falar com vocês?”
A secretária, tentando ajudar, respondeu:
– “É só apontar a câmera do seu celular e preencher um formulário online.”
Dona Tereza baixou os olhos, meio sem graça:
– “Mas eu não sei mexer nesse trem. Meu celular só serve pra ligação e mensagem. Formulário eu nunca fiz.”
Já na mesa com o advogado, a situação continuou. Ele começou a explicar os requisitos da aposentadoria com termos técnicos: “averbação”, “carência contributiva”, “regime de economia familiar”. Dona Tereza ficou confusa e interrompeu:
– “Doutor, o senhor pode falar de outro jeito? Eu só quero saber se eu tenho direito ou não… essas palavras difíceis me deixam perdida.”
O advogado percebeu a dificuldade, mas seguiu no mesmo tom, acreditando que transmitia credibilidade. No fim, Dona Tereza saiu mais insegura do que entrou.
A experiência de Dona Tereza em um escritório de advocacia previdenciária rural traz à tona uma reflexão fundamental: o verdadeiro desafio, muitas vezes, não está apenas na complexidade da lei, mas na forma como ela é comunicada. Quando o cliente se depara com excesso de juridiquês, repleto de termos técnicos como “averbação de tempo de serviço” ou “carência contributiva”, a sensação é de estar diante de uma barreira intransponível. Ele não entende, se sente deslocado e, em alguns casos, até envergonhado de pedir uma explicação mais clara.
Outro ponto crítico é a falta de adaptação às condições reais do público atendido. É comum encontrar escritórios que oferecem recursos digitais como QR Codes na recepção, formulários online ou automações no atendimento. Embora práticos em outros contextos, para o público rural, muitas vezes com baixo letramento digital, essas ferramentas não apenas perdem o sentido, como podem gerar desconforto e afastamento. O resultado é previsível: o cliente perde confiança, sente-se “fora do lugar” e a relação de confiança entre advogado e cliente, essencial para o êxito do processo, fica comprometida.
Superar essa barreira exige mais do que conhecimento técnico. Requer empatia, adaptação e sensibilidade cultural. É preciso falar a língua do cliente, traduzindo conceitos jurídicos em exemplos simples e próximos da sua realidade. Não se trata de simplificar o direito, mas de tornar a informação acessível. Em vez de “averbação de tempo de serviço”, por exemplo, é muito mais eficaz dizer “contar os anos de trabalho na roça para a aposentadoria”.
O acolhimento humano também deve vir antes da tecnologia. De nada adianta investir em QR Codes ou chatbots se o cliente não sabe utilizá-los. É fundamental oferecer alternativas tradicionais de atendimento, em que o contato direto com uma pessoa transmita segurança. Materiais acessíveis, como cartilhas impressas e exemplos práticos, ajudam o cliente a compreender o que está sendo explicado e a se sentir incluído no processo.
Além disso, adaptar o digital à realidade do público faz toda a diferença. Se muitos clientes rurais dominam apenas o WhatsApp, esse deve ser o canal principal de comunicação. Pedir documentos por foto, enviar mensagens de voz explicando os próximos passos ou responder dúvidas de forma simples é mais efetivo do que exigir que o cliente navegue em plataformas que ele não conhece.
Essa adaptação também passa pelo treinamento da equipe. A secretária, o advogado da triagem ou qualquer pessoa que tenha contato inicial com o cliente deve ser capaz de identificar rapidamente o nível de familiaridade tecnológica daquele público e ajustar o atendimento de acordo. A escuta ativa é igualmente indispensável: perguntar mais, ouvir com atenção e validar o que o cliente entendeu gera pertencimento e fortalece a relação de confiança.
No fim das contas, a experiência de Dona Tereza não foi sobre Direito, mas sobre comunicação e empatia. Para quem atende o público rural, compreender a cultura, o ritmo de vida e as limitações tecnológicas é tão importante quanto dominar a legislação previdenciária. A tecnologia pode ser uma grande aliada, mas apenas quando usada no momento certo, da forma certa e para o público certo. Esse é o caminho para transformar o atendimento em uma experiência verdadeiramente humana e eficaz.
Autor: Patrícia Loureiro Steffanello
Sócia-fundadora da Life Marketing e Comunicação
Copywriter, Especialista em Neuromarketing e Marketing Estratégico
@patisteffanello | 💼
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